quarta-feira, 23 de novembro de 2011

QUEM FUNDOU SUA IGREJA

QUEM FUNDOU A SUA IGREJA?

Por Carlos Martins Nabeto

Fonte: Agnus Dei

Publicado em 06/08/2007

INTRODUÇÃO

Este artigo pode, a princípio, parecer anti-ecumênico, mas não é. Muito pelo contrário, visa esclarecer fatos históricos. Pessoalmente, torço para o êxito do ecumenismo, que tem uma árdua tarefa na busca da aproximação, diálogo e consenso entre as várias denominações cristãs. Contudo, sou obrigado a registrar que, em virtude da imperfeição do ser humano, o ecumenismo caminha a passos lentos... muito lentos mesmo! Na verdade, a discórdia reinante entre os cristãos é fruto mais de interesses pessoais e políticos do que religiosos. É claro que existem diferenças de pontos doutrinais, criados a partir da necessidade de separação e identificação, mas será que existe vontade de discuti-los fraternalmente, a ponto, até, de reconhecê-los como errados?

Volta e meia a imprensa noticia que milhares e milhares de católicos estão indo seguir outras religiões. Vemos, assim, que o católico costuma a ser pacífico, bom ouvinte, o que, aliás, é uma boa virtude ecumênica. Por outro lado, sabemos que muitos católicos assim se declaram porque foram batizados quando crianças, não tendo, após isso, uma verdadeira vida cristã: nunca foram à Igreja (exceto para "pagar" promessas ou participar de missas de sétimo dia), nunca tiveram interesse de participar dos grupos comunitários e nunca se aprofundaram no estudo bíblico e doutrinário da Igreja (no máximo, fizeram a primeira - e única! - comunhão). Infelizmente, vemos atitudes pouco ecumênicas por parte da maioria dos dirigentes de outras igrejas que, aproveitando o fato do pouco conhecimento religioso de boa parte dos católicos, coverte-os às suas respectivas religiões usando, para isso, de artimanhas verdadeiramente anti-ecumênicas.

Para discutir esse fenômeno, existem, hoje, duas correntes de pensamento dentro da própria Igreja católica: a primeira acha ótimo esse "êxodo", já que ocorre uma purificação interna dentro da própria Igreja, uma vez que, como está comprovado, só deixam de ser católicos aqueles que pouco interesse têm pela Igreja. A segunda, embora reconhecendo que essa "purificação" é positiva e que contribui para o aumento da qualidade dos fiéis católicos, afirma que não é justo permitir o afastamento do "joio" já que estes foram, na maioria das vezes, conquistados de forma ilícita, isto é, por desconhecerem a sã doutrina da Igreja, mudaram de fé graças a argumentos duvidosos (apresentados por fiéis de outras igrejas), para os quais não tinham uma explicação satisfatória... De uma forma, como de outra, a própria Igreja católica reconhece que é necessária uma nova evangelização, buscando aprofundar as raízes de todos os fiéis católicos bem como de todos os homens de boa vontade.

TUDO É HISTÓRIA

Ao contrário de todas as demais religiões, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo são religiões históricas, não foram criadas a partir de mitos! Logo, todas as ações realizadas pelos fiéis dessas três grandes religiões ficaram registradas no tempo! São fatos, não lendas; é história, não estória! Não vamos falar sobre os judeus, pois sabemos que eles não aceitaram Jesus como o verdadeiro Messias porque sua visão de Messias, na época de Jesus, era estritamente política: o enviado de Deus que libertaria o povo da dominação romana (aliás, a destruição de Jerusalém em 135 dC pelos romanos foi motivada por essa falsa visão: três anos antes, Bar-Khokba fôra proclamado pelas autoridades religiosas como o Messias libertador). Quanto aos islâmicos, cuja fé baseia-se em Maomé, bem sabemos pela História que trata-se de uma religião com grandes influências do judaísmo e cristianismo.

Vamos, portanto, nos concentrar na fé cristã e ver o que é histórico, o que é verdadeiro, já que, na esmagadora maioria das vezes, os conflitos e divisões são gerados pelos próprios cristãos.

A IGREJA CATÓLICA

Jesus manifestou o interesse de fundar a Igreja (Mt 16,18), Igreja esta que teria autoridade (Mt 18,17), cujo sinal de unidade seria a pessoa de Pedro (Mt 16,18-19; Jo 21,15-17; etc). A Igreja foi oficialmente fundada após a ressurreição de Jesus, no domingo de Pentecostes, com o derramamento do Espírito Santo (At 2). A Igreja cresceu em número, primeiro em Jerusalém, e foi se espalhando pelo mundo graças à pregação e cuidado dos apóstolos. É de conhecimento geral que, naquela época, Roma era a senhora do mundo, o mais vasto império que a humanidade já conheceu. Foram os próprios apóstolos que viram a necessidade do deslocamento do Cristianismo para o centro do império romano a fim de facilitar a pregação do Evangelho. É fato histórico que Pedro e Paulo foram perseguidos e martirizados em Roma. Clemente Romano, ainda no séc. I, nos testemunha esses martírios. Irineu de Lião apresenta, no séc. II, a lista dos sucessores de Pedro, até aquela data. A arqueologia, através de escavações, confirmou a morte de Pedro e Paulo em Roma ao encontrar seus respectivos túmulos. Ao estudarmos a doutrina da Igreja católica, percebemos que ela não se afastou um milímetro sequer desde a sua fundação, ou seja, a Igreja católica atual é a mesma de 2000 anos atrás.

A PRIMEIRA DIVISÃO

A primeira divisão dentro do Cristianismo ocorreu em 1054 dC (aproximadamente mil anos após a fundação da Igreja). É o que se chama de Cisma Oriental. Antes disso, grandes polêmicas tinham surgido dentro do seio do Cristianismo mas, mesmo assim, sempre se chegava a um consenso geral através da realização de grandes Concílios Ecumênicos, que reuniam bispos de todo o mundo até então conhecido. Aqueles que não se adequavam às decisões eram afastados da Igreja, criando - como hoje em dia - comunidades heréticas que o próprio tempo tratou de exterminá-las. Mas o Cisma Oriental foi a primeira divisão que realmente abalou o mundo cristão. Doutrinariamente, os orientais, baseados em Constantinopla, acusaram a Igreja do ocidente de ter acrescentado o termo filioque ao credo niceno-constantinopolitano, resultando na procedência do Espírito Santo a partir do Pai e do Filho e não apenas do Pai, como originalmente registrava tal credo, o que dava a impressão que o Espírito Santo passou a "existir" após o Pai e o Filho. Muito embora a Igreja católica tenha demonstrado e comprovado que tal acréscimo nada modifica na fórmula original, nem impõe uma ordem de procedência já que trata-se do Deus único, a Igreja Ortodoxa jamais aceitou voltar à plena comunhão com a Igreja de Roma, o que bem demonstra que a divisão não ocorreu por motivo simplesmente doutrinário.

Mas então qual seria o verdadeiro motivo da separação? Política! Desde o séc. VII, Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, desejava ter os mesmos direitos da sé de Roma, tendo conseguido obter, no máximo, o reconhecimento do privilégio de segunda, logo depois de Roma. Assim, o argumento do "acréscimo ilícito" do filioque foi usado apenas para garantir a separação na ordem política! Isso é História.

AS DEMAIS DIVISÕES

Após a separação da Igreja Ortodoxa, foram necessários mais 500 anos, aproximadamente, para que nova divisão viesse abalar a Igreja do Ocidente. Também é fato histórico que na Igreja medieval ocorriam vários abusos, a grande maioria ocasionados pelo fato da ligação íntima entre Igreja e Estado; era o Estado que nomeava os bispos, sendo estes pouco preparados a nível religioso. Então era comum encontrarmos bispos que compravam determinada sede episcopal, que eram casados irregularmente, que eram impiedosos por falta de vocação religiosa, etc... Era necessária uma Reforma dentro da Igreja! Vários homens lutaram por essas reformas, cada qual a seu jeito. Francisco de Assis é um desses exemplos: lutou por reformas e conseguiu! Não precisou dividir a Igreja, pois reconhecia sua importâcia e autoridade. Mesmo assim, a Igreja ainda não estava totalmente reformada. Infelizmente, homens como Lutero e Calvino, ao invés de se inspirarem no grande exemplo de São Francisco, acharam mais fácil romper com a Igreja, fundando novas religiões... foi a chamada Reforma Protestante. Lendo a história de maneira completamente imparcial, vemos que, mais uma vez, a política se intrometia no campo religioso. Lutero, para impor suas doutrinas, aliou-se aos príncipes alemães descontentes com as boas relações entre o Imperador e o Papa. Calvino fez de Genebra um Estado cuja política era guiada por preceitos religiosos radicais, com visível orientação antipapal e anticatólica. Ao contrário de Lutero e Calvino, o rei Henrique VIII da Inglaterra estava preocupado em conseguir um descendente (filho) do sexo masculino para ser seu sucessor no trono; como Catarina de Aragão, sua esposa, não conseguia dar-lhe esse filho tão esperado e o Papa não consentisse o divórcio, obrigou ao clero inglês a reconhecê-lo como chefe supremo da igreja na Inglaterra. Observemos, portanto, como os argumentos religiosos são usados por todos, desde o princípio, como justificativa para implantação de idéias meramente políticas.

Lutero havia afirmado que quem dirige o crente é o Espírito Santo, de forma que este não necessita da autoridade de Igreja para ajudá-lo a interpretar a Bíblia, única fonte de fé que deve ser considerada pelo cristão. Esse mesmo ponto de vista foi adotado por Calvino e por todo o mundo protestante. Mesmo sendo oposta à própria Bíblia (2Pd 3,15-16), a livre interpretação ocasionou a fragmentação do Cristianismo em mais de 20 mil ramos, o que é um absurdo, já que cada ramo se julga a verdadeira Igreja de Cristo, tendo como único ponto comum o anticatolicismo. Mas, não reconhecendo a autoridade de Igreja, mais uma vez se voltam contra a Bíblia, pois esta afirma que o fundamento e coluna da verdade é a Igreja (cf. 1Tm 3,15), logo, apesar de possuirem alguns pontos verdadeiros (que são iguais aos da Igreja Católica!!!), não são a verdadeira Igreja de Cristo.

Vejamos a seguinte lista, organizada em ordem cronológica e incompleta, já que seria impossível listar as 20 mil igrejas cristãs hoje existentes:

Ano Denominação Origem Fundador
~33 Fundação da Igreja Católica Palestina Jesus
~55 Igreja Católica se fixa em Roma, com Pedro e Paulo

1054 Igreja Ortodoxa Constantinopla Miguel Cerulário
1521 Igreja Luterana Alemanha Martinho Lutero
1523 Anabatistas Alemanha Zwickau
1523 Batistas Menonitas Holanda Menno Simons
1531 Igreja Anglicana Inglaterra Henrique VIII
1536 Igreja Presbiteriana Suiça João Calvino
1592 Igreja Congregacionalista Inglaterra John Greenwood e outros
1612 Igreja Batista Arminiana ou Geral Inglaterra John Smith
~1630 Sociedade dos Amigos (Quakers) Inglaterra George Fox
1641 Igreja Batista Regular ou Particular Inglaterra Richard Blount
1739 Igreja Metodista Inglaterra John Wesley
1816 Igreja Adventista EUA Willian Miller
1830 Mórmons EUA Joseph Smith
1865 Exército da Salvação Inglaterra Willian Booth
1878 Testemunhas de Jeová EUA Charles T.Russel
1901 Igreja Pentecostal EUA Charles Parham
1903 Igreja Presbiteriana Independente Brasil Othoniel C. Mota
1909 Congregação Cristã no Brasil Brasil Luís Francescon
1910 Igreja Assembléia de Deus EUA/Brasil D.Berg/G.Vingren
1918 Igreja do Evangelho Quadrangular EUA Aimée McPherson
1945 Igreja Católica Apostólica Brasileira (ICAB) Brasil Carlos D.Costa
1955 Cruzada o Brasil para Cristo Brasil Manoel de Mello
1962 Igreja Deus é Amor Brasil David Miranda
1977 Igreja Universal do Reino de Deus Brasil Edir Macedo
Outros Ramos:

 

Adventistas: Adventistas da Era Vindoura, Adventistas do Sétimo Dia, Adventistas Evangélicos, Cristãos Adventistas, Igreja de Deus, União da Vida e do Advento, etc.
Batistas: Batistas Abertos, Batistas das Duas Sementes no Espírito, Batistas das Novas Luzes, Batistas das Velhas Luzes, Batistas do Livre Arbítrio, Batistas do Sétimo Dia, Batistas dos Seis Princípios, Batistas Fechados, Batistas Primitivos, Batistas Reformados, Velhos Batistas, etc.
Pentecostais:Cruzada da Nova Vida, Cruzada Nacional de Evangelização, Igreja Cristo Pentecostal da Bíblia, Igreja da Restauração, Igreja Jesus Nazareno, Reavivamento Bíblico, Tabernáculo Evangélico de Jesus (Casa da Bênção), etc.
 

Como cada uma dessas igrejas defende sua própria doutrina como verdadeira, apesar de se autonomearem como cristãos, excluem-se mutuamente. Contudo, a única Igreja cristã que existe desde a época de Cristo é a Igreja católica. E observando-se que sua doutrina permaneceu imutável nestes 2000 anos, temos que ela é a Igreja de Cristo, apesar das demais possuírem elementos verdadeiros, vestígios de sua ligação comum com a Igreja católica.
Uma brincadeira de criança ilustra muito bem nosso ponto de vista: a brincadeira do "quem conta um conto, aumenta um ponto". Uma pessoa transmite uma mensagem para uma segunda pessoa; entra, então, uma terceira pessoa, que recebe a informação da segunda pessoa, e assim, sucessivamente. Não são necessárias muitas pessoas, pois já na quarta ou quinta pessoa, a informação está completamente distorcida da informação original. O mesmo ocorre no campo religioso: como pode, igrejas sem nenhuma ligação com Jesus proclamar-se detentoras da verdade? E como podem essas igrejas atribuir suas mais diversas doutrinas ao mesmo Espírito Santo, sendo estas completamente contraditórias entre si? Não seria uma blasfêmia dizer que o Espírito Santo está ocasionando divisões entre os cristãos se Jesus Cristo afirmou que haveria um só rebanho e um só pastor? (Jo 10,16)

Além da pergunta: "quem fundou a sua igreja?", outra pergunta interessante a ser feita aos cristãos não católicos é: "qual seria a sua religião se você nascesse há mil anos atrás?". Nessa época, havia unidade total entre os cristãos e a resposta seria apenas uma: católica. Ora, se não houve mudanças na doutrina desde a fundação da Igreja, é ilógico e contraditório aceitar atualmente doutrinas que não se alinham com as da Igreja católica!!! Pode-se aceitar ritos e disciplinas diferentes, mas não doutrinas!

Quem dá sustentação e vida à árvore é sua raiz! Uma árvore sem raiz não sobrevive nem se mantém segura de pé! E o que temos na raiz desta grande árvore que é o Cristianismo? Na base (raiz) está a Igreja católica (é fato histórico; observe mais uma vez a tabela acima)! Sua raiz bebe diretamente Daquele que dá e é a água viva (cf. Jo 4,10), Jesus Cristo, o Filho de Deus. E é por isso que ela, ainda nos dias de hoje, tem se demonstrado forte e vigorosa (apesar da sua idade), e assim será até a consumação dos séculos (cf. Mt 28,20b).

Fonte http://www.veritatis.com.br/article/4477

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O batismo de crianças nos Padres da Igreja e na História

O batismo de crianças nos Padres da Igreja e na História

 
O batismo de crianças é uma prática imemorial da Igreja, tendo sido instituída pelos Apóstolos. Nestas linhas não pretendo me aprofundar nos argumentos bíblicos em favor do batismo das crianças (pois já foram tratados em outra ocasião), mas nos testemunhos que a Igreja nos deixou ao longo da História, em favor desse sacramento pelo qual somos sepultados com Cristo em sua morte, a fim de que, da mesma forma como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos através da glória do Pai, também nós possamos viver uma nova vida. Tratarei, ainda que brevemente, das heresias que ao longo dos séculos ergueram obstáculos para que as crianças fossem regeneradas pelo nascer da água e do espírito, e sua evolução através da História.


O BATISMO DAS CRIANÇAS NOS PADRES DA IGREJA (SÉCULOS I A IV)
Nos primeiros quatro séculos da Era Cristã encontramos total unanimidade acerca dessa matéria. Há numerosos testemunhos de Padres da Igreja que falam da importância do batismo das crianças. Houve também quem optasse por retardar o seu batismo, mas por razões censuradas pela Igreja, como para não ter que largar a vida pecaminosa e, assim, obter o perdão dos pecados no momento da morte (algo bastante insensato, visto que ninguém sabe em que momento irá morrer ou se terá ainda chance de ser batizado); ou livrar-se das penitências que teriam que ser feitas caso tornasse a pecar após o batismo.
SANTO IRENEU
Bispo e mártir, foi discípulo de São Policarpo que, por sua vez, foi discípulo do Apóstolo São João. Célebre por seu tratado “Contra as Heresias”, em que combatia as heresias do seu tempo, em especial a dos gnósticos. Nasceu por volta de 130 d.C. e morreu em 202 d.C.
Faz eco da fé da Igreja primitiva, que professava que todo homem nasce na carne e que, portanto, deve nascer da água e do espírito - o que interpreta inequivocamente como o batismo, pelo qual se obtém ainda a remissão dos pecados:
“E [Naaman] mergulhou [...] sete vezes no Jordão. Não foi sem razão que Naaman, já velho e leproso, foi purificado ao ser batizado, mas para nos indicar que, como leprosos no pecado, somos limpos de nossas transgressões mediante a água sagrada e a invocação do Senhor, sendo espiritualmente regenerados como crianças recém-nascidas, mesmo quando o Senhor já declarou: 'Aquele que não nascer de novo da água e do espírito, não entrará no reino dos céus'” (Fragmento 34).[1]
Ao longo dos escritos deste e de outros Padres veremos como em nenhum momento restringem a graça e os dons de Deus a ninguém, sejam bebês, adolescentes ou adultos. No texto a seguir, embora não se encontre uma referência explícita ao batismo de crianças, encontramos a crença de que Deus pode derramar a sua graça e santificar qualquer pessoa, independente de ter ou não idade para crer (rejeitando, com cerca de mil anos de antecedência, os argumentos empregados pelos anabatistas):
“Porque veio salvar a todos. E digo 'todos', isto é, àqueles tantos que por Ele renascem para Deus, sejam recém-nascidos, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Por isso, quis passar por todas as idades, para tornar-se recém-nascido com os recém-nascidos, a fim de santificar os recém-nascidos; criança com as crianças, a fim de santificar aos de sua idade, oferecendo-lhes exemplo de piedade e sendo para eles modelo de justiça e obediência. Fez-se jovem com os jovens, para dar exemplo aos jovens e santificá-los para o Senhor” (Contra as Heresias 2,22,4).[2]
ORÍGENES
Orígenes foi escritor eclesiástico, teólogo e comentarista bíblico. Viveu em Alexandria até 231; passou os últimos 20 anos de sua vida em Cesaréia Marítima, na Palestina, e também viajando pelo Império Romano. Foi o maior mestre da doutrina cristã em sua época e exerceu uma extraordinária influência como intérprete da Bíblia.
O testemunho de Orígenes é de capital importância, não apenas porque como os outros Padres nos explica a razão de ser necessário batizar as crianças, mas pelo seu testemunho explícito de que este foi um costume recebido pela Igreja diretamente dos Apóstolos. Orígenes, com sua pena, confirma, de antemão, aquilo que a arqueologia comprovaria ao encontrar evidências de batismos de crianças pela Igreja primitiva.
“A Igreja recebeu dos Apóstolos o costume de administrar o batismo inclusive às crianças, pois aqueles a quem foram confiados os segredos dos mistérios divinos sabiam muito bem que todos carregam a mancha do pecado original que deve ser lavada pela água e pelo espírito” (In. Rom. Com. 5,9: EH 249).[3]
“Se as crianças são batizadas 'para a remissão dos pecados' cabem as perguntas: de que pecados se tratam? Quando eles pecaram? Como se pode aceitar tal testemunho para o batismo das crianças se não se admitir que 'ninguém é isento do pecado, mesmo quando a sua vida na terra não tenha durado mais que um só dia'? As manchas do nascimento são apagadas pelo mistério do batismo. Batizam-se as crianças porque 'se não nascer da água e do espírito, é impossível entrar no reino dos céus'” (In Luc. Hom. 14,1.5).[4]
“'Havia muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, mas nenhum deles foi curado, apenas Naaman, o sírio', que não pertencia ao povo de Israel. Considerem o grande número de leprosos que havia até este momento 'em Israel segundo a carne'. Vejam, por outro lado, o Eliseu espiritual, nosso Senhor e Salvador, que purifica no mistério batismal os homens cobertos pelas manchas da lepra e lhes dirige estas palavras: 'Levanta-te, vai ao Jordão, lava-te e tua carne ficará limpa'. Naaman levantou-se e se foi; e, ao banhar-se, se cumpriu o mistério do batismo: 'sua carne ficou igual à carne de uma criança'. De que criança? Daquele que 'no banho da regeneração' nasce em Cristo Jesus” (In. Luc. Hom 33,5).[5]
“Se gostais de ouvir o que outros santos disseram acerca do nascimento físico, escutai a Davi quando diz: 'Fui formado na maldade e minha mãe me concebeu no pecado'. Assim diz o texto. Demonstra que toda alma que nasce na carne carrega a mancha da iniquidade e do pecado. Esta é a razão daquela sentença que citamos mais acima: ninguém está limpo do pecado, nem sequer a criança que só tem um dia [de vida]. A tudo isto se pode acrescentar uma consideração sobre o motivo que a Igreja tem para o costume de batizar também as crianças: este sacramento da Igreja é para a remissão dos pecados. Certamente que, se não houvesse nas crianças nada que requeresse a remissão e o perdão, a graça do batismo seria desnecessária” (In Lev. Hom 8,3).[6]
SANTO HIPÓLITO DE ROMA
Desconhece-se a data e o lugar do seu nascimento, mesmo que se saiba que foi discípulo de Santo Ireneu de Lião. Seu grande conhecimento da filosofia e dos mistérios gregos, e sua própria psicologia, indicam que procedia do Oriente. Até o ano 212 era presbítero em Roma, onde Orígenes, durante sua viagem à capital do Império, o ouviu pronunciar um sermão.
Por ocasião do problema da readmissão na Igreja daqueles que tinham apostatado durante alguma perseguição, estourou um grave conflito que o colocou em oposição ao Papa Calisto, já que Hipólito se mostrava rigorista nesta matéria, embora não negasse que a Igreja possuía o poder de perdoar os pecados. Tão forte se tornou a questão, que se separou da Igreja e, eleito bispo de Roma por um pequenino círculo de partidários, tornou-se o primeiro Antipapa da História. O cisma se prolongou até depois da morte de Calisto, durante os pontificados de seus sucessores Urbano e Ponciano. Terminou em 235, pela perseguição de Maximino, que desterrou o Papa legítimo (Ponciano) e a Hipólito às minas da Sardenha, onde se reconciliaram. Ali os dois renunciaram ao pontificado para facilitar a pacificação da comunidade romana, que desta forma pôde eleger um novo Papa e dar por encerrado o cisma. Tanto Ponciano quanto Hipólito morreram no ano 235.
Um testemunho de singular importância temos também graças à “Tradição Apostólica”, a qual é uma das mais antigas e importantes constituições eclesiásticas da Antiguidade (foi escrita por volta do ano 215). Nela encontramos instruções específicas acerca da administração do batismo, onde consta a prática de batizar crianças e como em razão da fé dos pais poderiam ser batizadas:
“Ao cantar o galo, se começará a rezar sobre a água, seja a água que flui da fonte, seja a que flui do alto. Assim se fará, salvo em caso de necessidade. Portanto, se houver uma necessidade permanente e urgente, se empregará a água que se encontrar. Se desnudarão e se batizarão primeiro as crianças. Todas as que puderem falar por si mesmas, que falem; quanto às que não puderem, falem por elas os seus pais ou alguém da sua família. Se batizarão em seguida os homens e, finalmente, as mulheres [...] O bispo ao impor-lhes as mãos, pronunciará a invocação: 'Senhor Deus, que os fizeste dignos de obter a remissão dos pecados através do banho da regeneração, fazei-os dignos de receber o Espírito Santo e envia sobre eles a tua graça, para que te sirvam obedecendo a tua vontade. A Ti a glória, Pai, Filho e Espírito Santo, na Santa Igreja, agora e pelos séculos. Amém” (Tradição Apostólica 20,21).[7]
SÃO CIPRIANO DE CARTAGO
Bispo de Cartago, nascido por volta do ano 200, provavelmente em Cartago, de família rica e culta. Dedicou-se em sua juventude à retórica. O desgosto que sentia diante da imoralidade dos ambientes pagãos em contraste com a pureza de costumes dos cristãos o induziu a abraçar o Cristianismo por volta do ano 246. Pouco depois, em 248, foi eleito bispo. Ao tornar-se mais forte a perseguição de Décio, em 250, julgou melhor retirar-se para outro lugar, a fim de continuar se ocupando com o seu rebanho.
Tem-se evidência de que durante sua vida houve quem pretendesse atrasar o batismo das crianças para o oitavo dia após o seu nascimento, à semelhança da circuncisão, tornando necessário a Cipriano, em seu nome e de mais 66 bispos, enviar uma carta a Fido testemunhando a fé da Igreja de que não se deve retardar o batismo das crianças e que estas poderiam ser batizadas desde logo. A carta integral encontra-se disponível na Internet, no volume 5 de “Ante Nicene Fathers”, de Schaff (protestante) e ainda na “New Advent Encyclopedia”[8].
Entre alguns pontos interessantes, temos:
“Porém, no tocante às crianças, as quais dizes que não devem ser batizadas no segundo ou terceiro dia após seu nascimento, e que a antiga lei da circuncisão deve ser considerada, de modo que pensas que quem acaba de nascer não deva ser batizado e santificado dentro dos oito [primeiros] dias, todos nós pensamos de maneira bem diferente em nosso Concílio. Neste caminho que pensavas seguir, ninguém concorda; ao contrário, julgamos que a misericórdia e a graça de Deus não deve ser negada a ninguém nascido do homem pois, como diz o Senhor no seu Evangelho, 'o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-la'. À medida que podemos, devemos procurar que, sendo possível, nenhuma alma seja perdida [...] Por outro lado, a fé nas Escrituras divinas nos declara que todos, sejam crianças ou adultos, têm a mesma igualdade nos divinos dons [...] razão pela qual cremos que ninguém deve ser impedido de obter a graça da lei, pela lei em que foi ordenado, e que a circuncisão espiritual não deva ser obstaculizada pela circuncisão carnal, mas que todos os homens devem ser absolutamente admitidos à graça de Cristo, já que também Pedro, nos Atos dos Apóstolos, fala e diz: 'O Senhor me disse que eu não deveria chamar a ninguém de ordinário ou imundo'. Entretanto, se nada poderia obstaculizar a obtenção da graça pelos homens ao mais atroz dos pecados, não se pode colocar obstáculos aos que são maiores. Porém, se se crê que até aos piores pecadores e aos que pecaram contra Deus lhes é concedida a remissão dos pecados, não sendo nenhum deles impedido do batismo e da graça, quanto mais não deveríamos obstaculizar um bebê que, sendo recém-nascido, não pecou ainda [pessoalmente], mas por ter nascido da carne de Adão, contraiu o contágio da morte antiga em seu nascimento [...] Logo, querido irmão, esta foi a nossa opinião no Concílio: que, por nós, ninguém deve ser impedido de receber o batismo e a graça de Deus, que é misericordioso, amável e carinhoso para com todos; e que, visto que é observado e mantido em relação a todos, parece-nos que seja ainda mais no caso dos lactantes [...]” (Carta 58, a Fido, sobre o Batismo das Crianças).[9]
É importante observar aqui que o que Fido e talvez outros presbíteros pretendiam fazer não era negar o batismo às crianças – tal como faz hoje uma grande parcela do Protestantismo – mas tão somente retardá-lo para logo depois do oitavo dia do nascimento.
GREGÓRIO DE NANZIANZO
Arcebispo de Constantinopla e doutor da Igreja, nascido em Nanzianzo, na Capadócia, no ano 329 e falecido em 389. Célebre por sua eloquência e sua luta contra o Arianismo, juntamente com outros Padres como São Basílio e São Gregório de Nissa. É reconhecido como um dos quatro grandes doutores da Igreja Grega.
Escreveu um belo sermão sobre o batismo onde testemunha a fé da Igreja Primitiva no sentido de que, se para o adulto é necessária a fé para se receber o sacramento, não é assim para a criança (que o recebe em razão da fé dos pais). Com efeito, não há desculpa alguma para se retardar o batismo, nem sequer no caso das crianças:
“Façamo-nos batizar para vencer. Tomemos nossa parte nessas águas mais purificadoras que o hissopo; mais puras que o sangue das vítimas impostas pela Lei; mais sagradas que as cinzas do bezerro, cuja aspersão podia ser suficiente para dar às faltas comuns uma provisória purificação corporal, mas não uma total remissão do pecado. Teria sido necessário, sem isso, renovar a purificação daqueles que já a tinham recebido uma vez? Façamo-nos batizar hoje, para não estarmos obrigados a fazê-lo amanhã. Não retardemos o benefício como se nos surgisse algum problema. Não esperemos ter pecado mais para, mediante ele (=o batismo), sermos perdoados em maior medida; isso seria fazer uma indigna especulação comercial acerca de Cristo. Tomar uma carga superior a que podemos carregar é correr o risco de perder, em um naufrágio, o navio, o corpo e os bens, os seja, todo o fruto da graça que não se soube aproveitar [...] Inclusive as crianças: não deixeis tempo para a malícia apoderar-se delas; santificai-as enquanto são inocentes; consagrai-as ao Espírito enquanto ainda não lhe saíram os dentes. Que pusilanimidade e que falta de fé daquelas mães que temem o caráter batismal pela fragilidade da sua natureza! Antes de o ter trazido ao mundo, Ana dedicou Samuel a Deus e, imediatamente após o seu nascimento, o consagrou; a partir de então, o carregava vestido com um hábito sacerdotal sem temor algum dos homens, em razão da sua confiança em Deus. Não há necessidade, então, de amuletos ou encantamentos, meios de que se serve o maligno para insinuar-se nos espíritos pequenos em demasia e transformar em seu benefício o temor religioso em prejuízo a Deus. Opõe a ele a Trindade, imensa e formosa talismã” (Sermão 40,11.17, sobre o Santo Batismo).[10]
Como opinião pessoal, recomenda que, se não estiverem em perigo do morte, aguarde-se os três anos de idade para que possam recitar superficialmente os mistérios da fé, assinalando que a razão não é requisito para o recebimento do sacramento:
“Tudo isto é dito para aqueles que pedem o batismo por si mesmos; mas o que podemos dizer das crianças, ainda de pouca idade, que são incapazes de perceber o perigo em que se encontram e a graça do sacramento? Certamente, no caso de perigo imediato, é melhor batizá-las sem o seu consentimento do que deixá-las morrer sem ter recebido o selo da iniciação. Somos obrigados a dizer o mesmo acerca da prática da circuncisão, que era realizada no oitavo dia prefigurando o batismo, também realizada nos meninos desprovidos de razão. Da mesma forma, realizava-se a unção dos umbrais da porta que, embora se tratasse de coisas inanimadas, protegia os primogênitos. E quanto às demais crianças? Eis aqui a minha opinião: esperai que alcancem a idade de três anos, de modo que sejam capazes de compreender e expressar superficialmente os mistérios; apesar da imperfeição da sua inteligência, recebem o sinal, e o seu corpo e a sua alma se encontram santificados pelo grande sacramento da iniciação. Elas renderão conta dos seus atos no momento preciso em que, com plena posse da razão, chegarem ao pleno conhecimento do Mistério, já que não serão responsáveis das faltas que, pela ignorância da idade, tiverem cometido. Ademais, de todos os modos, lhes resulta vantajoso possuir a muralha do batismo para se proteger dos perigosos ataques que caem sobre nós e ultrapassam as nossas forças [...] Porém, alguém dirá: 'Cristo, que é Deus, se fez batizar aos trinta anos e tu nos empurras desde logo o batismo'. Afirmar assim a sua divindade é o que responde a essa objeção. Ele – a própria pureza – não precisava de purificação, mas se fez purificar por vós, assim como por vós se fez carne, uma vez que Deus não tem corpo. Além disso, Ele não corria nenhum perigo por retardar o seu batismo, pois podia livremente regular o seu sofrimento assim como regulou o seu nascimento. Para vós, ao contrário, não seria pequeno o perigo no caso de deixardes este mundo sem terdes recebido, no vosso nascimento, nada além que uma vida perecível, sem estardes revestidos da incorruptibilidade” (Sermão 40,26-27).[11]
SÃO JOÃO CRISÓSTOMO
Patriarca de Constantinopla e doutor da Igreja, nascido em Antioquia, na Síria, em 347, é considerado um dos quatro grandes Padres da Igreja Oriental. Na Igreja Ortodoxa grega é reconhecido como um dos maiores teólogos e um dos três Pilares da Igreja, juntamente com São Basílio e São Gregório:
“Deus seja louvado! Ele, que produz tais maravilhas! Vês quão múltipla é a graça do batismo? Alguns enxergam nele apenas a remissão dos pecados, mas nós podemos delinear dez dons de honra. Por isso batizamos também as crianças de pouca idade, quando ainda não começaram a pecar, para que recebam a santidade, a justiça, a filiação, a herança, a fraternidade de Cristo, para que se convertam em membros e morada do Espírito Santo” (Sermão aos Neófitos).[12]
SÃO BASÍLIO MAGNO
Preeminente bispo da Cesaréia e doutor da Igreja, nascido no ano 330 e falecido em 379. É reconhecido como um dos quatro grandes Padres da Igreja Oriental, juntamente com Santo Atanásio, São Gregório de Nanzianzo e São João Crisóstomo:
“Há um tempo conveniente para cada coisa: um tempo para o sono e outro para a vigília; um tempo para a guerra e um tempo para a paz. No entanto, o tempo do batimo absorve toda a vida do homem. Se não é possível ao corpo viver sem respirar, muito menos será para a alma sobreviver sem conhecer o seu Criador. A ignorância de Deus é a morte da alma. Aquele que não foi batizado tampouco foi iluminado. Assim como sem a luz a vista não pode perceber aquilo que lhe interessa, do mesmo modo, a alma não pode contemplar a Deus. Ademais, todo tempo é favorável para conseguir a salvação por intermédio do batismo, trate-se de noite ou de dia, de uma hora ou de espaço menor de tempo, por mais breve que seja. Seguramente, a data que se aproxima é, em maior medida, a mais apropriada. Que época poderia ser, de fato, mais adequada para o batismo que o dia da Páscoa? Pois esse dia comemora a ressurreição e o batismo é uma fonte de energia para obter a ressurreição. Por essa razão, a Igreja convoca, há muito tempo, seus filhos de peito, em uma sublime proclamação, a fim de que aqueles a quem ela deu à luz na dor, colocando-os no mundo depois de tê-los alimentado com o leite do ensino da catequese, se nutram do alimento sólido dos seus dogmas” (Protríptico do Santo Batismo 1).[13]
O PELAGIANISMO: PRIMEIRA HERESIA A REJEITAR O BATISMO DAS CRIANÇAS
Porém, foi só no século V quando apareceu a primeira heresia a negar a necessidade do batismo, inclusive o batismo das crianças. Seu autor foi Pelágio, um monge influenciado por doutrinas pagãs, especialmente do Estoicismo. Minimizava a eficácia da graça e considerava que a vontade, por seu livre arbítrio, podia por si só obter a santidade. Para os pelagianos, não existia qualquer pecado original; imaginavam que se Adão não foi criado imortal, poderia morrer ainda que não tivesse pecado, de modo que as crianças se encontram no mesmo estado de Adão antes da sua queda, não contraindo qualquer pecado original. E negando o pecado original, consequentemente enxergavam o batismo das crianças como desnecessário.
Logo após tornar-se monge, Pelágio viajou para Roma antes do ano 400. Depois de Roma ser conquistada e saqueada pelos Godos, partiu para Cartago e, a seguir, para Jerusalém, acompanhado de Celéstio, outro partidário do Pelagianismo que o ajuda de maneira eficiente a propagar suas doutrinas.
Dezoito bispos, inclusive Juliano de Eclana, aderiram ao Pelagianismo, mas Santo Agostinho combateu tenazmente a heresia. Os bispos pelagianos foram privados das suas sedes e condenados pelos Concílios africanos de Cartago e Milevis (nos anos 411, 412 e 416), os quais sentenciaram:
“Igualmente dispôs que aqueles que negam que os recém-nascidos do seio de suas mães não devem ser batizados ou efetivamente dizem que são batizados para a remissão dos pecados, mas que nada trazem do pecado original de Adão para ser expiado pelo banho da regeneração – de onde, por consequência, se concluiria que neles a fórmula do batismo 'para a remissão dos pecados' deve ser compreendida como inverídica ou falsa, sejam anátemas. Isto porque disse o Apóstolo: 'Por um só homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte; e assim passou a todos os homens, porque nele todos pecaram' [cf. Romanos 5,12], o que não deve ser compreendido de maneira diferente daquilo que sempre compreendeu a Igreja Católica espalhada pelo mundo. Logo, por esta regra de fé, mesmo as crianças pequeninas, que ainda não puderam cometer pecados por si mesmas, são verdadeiramente batizadas para a remissão dos pecados, a fim de que, pela regeneração, se limpe nelas aquilo que contraíram pela geração” (Concílio de Milevis II, ano 416; Concílio de Cartago, ano 418 - Concílios aprovados pelos Papas Santo Inocêncio I e São Zózimo; Do Pecado e da Graça, cânon 2).[14]
Contudo, os pelagianos se negaram a submeter-se aos Concílios. Os Concílios, então, escreveram ao Papa para que aprovasse as decisões destes Concílios Regionais, o que de fato ocorreu através do Papa Inocêncio I. Santo Agostinho, de posse da sentença da Sé Apostólica (=Roma), deu o caso por encerrado, mas logo após a morte do Papa Inocêncio, Celéstio proferiu diante do Papa Zózimo umas confissão de fé que esteve perto de confundi-lo, mas este tornou a confirmar as sentenças do seu predecessor. Mais tarde, no ano 431, o Concílio de Éfeso voltou a condenar o Pelagianismo que tentava agora se propagar pela Inglaterra.
SANTO AGOSTINHO
Bispo de Hipona e doutor da Igreja, é reconhecido como um dos quatro doutores mais primorosos da Igreja Latina. Nasceu em 354 e foi bispo de Hipona por 34 anos. Combateu duramente todas as heresias da época e faleceu no ano 430. Os textos contrários ao Pelagianismo são abundantes, razão pela qual, por uma questão de espaço, citarei apenas alguns, nos quais aprofunda a questão da necessidade de se batizar as crianças para purificá-las do pecado original:
“O batismo dos filhos de pais cristãos: apesar do matrimônio justo e legítimo destes filhos de Deus, não nascem filhos de Deus, em razão desta concupiscência. Isto porque os que geram, embora já tenham sido regenerados [pelo batismo], não geram como filhos de Deus, mas como filhos do mundo. Com efeito, esta é a sentença do Senhor: 'Os filhos deste mundo geram e são gerados'. Por sermos filhos deste mundo, nosso homem interior se corrompe; por isso, são gerados também filhos deste mundo e não serão filhos de Deus se não forem regenerados. Entretanto, por sermos filhos de Deus, nosso homem interior se renova a cada dia; e também o homem exterior, pelo banho da regeneração, é santificado e recebe a esperança da incorrupção futura, sendo por isso chamado com toda a razão 'templo de Deus'” (Do Matrimônio e da Concupiscência 1,18,20).[15]
“Todo aquele que nega que as crianças, ao serem batizadas, são arrancadas deste poder das trevas, do qual o Diabo é o príncipe, ou seja, do poder do Diabo e de seus anjos, é refutado pela verdade dos próprios sacramentos da Igreja. Nenhuma novidade herética pode alterar ou destruir qualquer coisa na Igreja de Cristo, já que a Cabeça dirige e auxilia todo o seu Corpo, tanto aos pequenos (=crianças) quanto aos grandes (=adultos)” (Do Matrimônio e da Concupiscência 1,20,22).[16]
“Com efeito, desde que foi instituída a circuncisão no povo de Deus – que então era o sinal da justificação pela fé – esta teve valor por significar a purificação do antigo pecado original também para as crianças, da mesma forma como o batismo começou a ter valor também para a renovação do homem desde o momento em que foi instituído. Não que antes da circuncisão não houvesse justiça alguma pela fé – pois o próprio Abraão, pai das nações que seguiriam a sua mesma fé, foi justificado pela fé, mesmo sendo todavia incircunciso – mas porque o sacramento da justificação pela fé esteve totalmente escondido nos tempos mais antigos. Porém, a mesma fé no Mediador salvava os antigos justos, pequenos e grandes” (Do Matrimônio e da Concupiscência 2,11,24).[17]
A REFORMA PROTESTANTE E O MOVIMENTO ANABATISTA
Seria apenas séculos depois, não mais pelos pelagianos mas por um movimento totalmente diferente, surgido em Zurique em torno da Reforma Protestante promovida pelo reformador Ulrico Zwínglio, que se levantaria oposição ao batismo das crianças. Os partidários deste movimento foram chamados “anabatistas” (ou “batistas”).
O nascimento deste movimento remonta ao ano 1523, quando a Reforma chegou a Zurique. Não passou muito tempo para que começasse a ocorrer divisões dentro do Protestantismo. De Zwínglio se separaram vários grupos protestantes que anteriormente colaboravam na formação de uma comunidade independente da tutela da autoridade civil. Entre estes estavam Conrado Grebel (1498-1526) e Feliz Mantz (1500-1527), que passaram a desenvolver a idéia de que apenas os que críam retamente e levavam conduta pia eram membros da Igreja; assim, segundo suas opiniões, o batismo das crianças não podia nem sequer ser considerado batismo, sendo portanto inválido. Os anabatistas passaram então a se rebatizar, rejeitando a validade do seu primeiro batismo e alegando que apenas aqueles que podiam expressar conscientemente a fé em Cristo podiam ser batizados.
No ano 1524, Grebel rejeitou que seu novo filho fosse batizado e ocasionou um conflito com o Conselho de Zurique; em janeiro de 1525, o Conselho dispôs que fosse expulso da cidade quem, no prazo de oito dias, não batizasse seus filhos. Grebel e Mantz também foram proibidos de pregar[18], mas como o Protestantismo já tinha rejeitado a autoridade da Igreja [Católica], tendo em vista a livre interpretação da Bíblia, o novo movimento também não tinha motivos para se submeter às novas autoridades protestantes. A “caixa de Pandora” estava aberta e a partir de então não havia mais como o Protestantismo guardar uma unidade doutrinária.
É neste contexto que surgiram as inquisições protestantes. Mas apesar de se servirem da tortura e, em 7 de março de 1526, ter sido decretada pena de morte para todos aqueles que realizassem um segundo batismo, não foi possível conter os anabatistas (o mesmo passaria a ocorrer, aliás, com cada nova denominação protestante). Começaram assim as execuções de anabatistas, entre elas as de Félix Mantz (por afogamento), Jorge Blaurock e Miguel Sattler (ambos queimados vivos). As vítimas continuaram, mas o Anabatismo se propagou inclusive para a Alemanha, terra de Lutero, e os Países Baixos, onde a palavra de Calvino era a lei.
Proibidos tanto nas regiões católicas quanto nas protestantes, apareceram diferentes grupos anabatistas (menonitas, huterianos), alguns pacíficos, outros nem tanto. Um dos líderes destes grupos anabatistas violentos foi Tomás Müntzer, que logo depois de ser seguidor de Lutero acabou se tornando seu férreo inimigo. Liderou grupos de camponeses que, embora fizessem reclamações justas e buscassem o apoio de Lutero, acabaram partindo para a violência quando este último ofereceu-lhes a espada. É neste momento que Lutero escreve a obra “Contra as Hordas de Bandidos e Assassinos Camponeses” (WA 18,357-361), em que exorta os príncipes a realizar uma matança de camponeses, em público ou em privado, culminando tudo em um grotesco massacre.
Com o passar do tempo, a tendência anabatista foi penetrando nas diversas denominações protestantes, ecoando suas tendências referentes ao batismo inclusive em denominações não- anabatistas (pentecostais, metodistas), embora rejeitadas por outras (calvinistas, luteranos, reformados). A divisão chegou a tal ponto que hoje conheço comunidades eclesiais luteranas que rejeitam o batismo de crianças (embora continuem sendo exceção e não regra).
Entre algumas confissões protestantes rejeitando as doutrinas anabatistas, podemos mencionar:
“O Batismo: ensinamos que o Batismo é necessário para a salvação e que pelo Batismo nos é dada a graça divina. Ensinamos também que se devem batizar as crianças e que por este Batismo são oferecidas a Deus e recebem a graça de Deus. É por isso que condenamos os Anabatistas que rejeitam o Batismo das crianças” (Confissão de Augsburgo, artigo 9; ano 1530 – Igrejas Luteranas).
“Não apenas devem ser batizados aqueles que professam a fé em Cristo e obediência a Ele, como também as crianças, filhas de um ou de ambos os pais crentes” (Confissão de Westminster 28,4 – Igrejas Reformadas).
“Pergunta: Deve-se também batizar as crianças?
Resposta: Naturalmente, pois, como os adultos, encontram-se compreendidas na Aliança e pertencem à Igreja de Deus[a]. Tanto a estas quanto aos adultos se lhes promete, pelo sangue de Cristo, a remissão dos pecados[b] e o Espírito Santo, operário da fé[c]; por isso, e como sinal desta Aliança, [ambos] devem ser incorporados à Igreja de Deus e diferenciados dos filhos dos infiéis[d], assim como se fazia na Aliança do Antigo Testamento pela circuncisão[e], cujo substituto na Nova Aliança é o Batismo[f]. Notas: [a] Gênesis 17,7; [b] Mateus 19,14; [c] Lucas 1,15; Salmo 22,10; Isaías 44,1-3; Atos 2,39; [d] Atos 10,47; [e] Gênesis 17,14; [f] Colossenses 2,11-13” (Catecismo de Heidelberg, pergunta 74 – Igrejas Reformadas).
“Opomo-nos aos anabatistas, os quais não aceitam o batismo infantil dos filhos dos crentes. Porém, conforme o Evangelho, 'o reino de Deus é dos pequeninos' e estes encontram-se incluídos na Aliança de Deus. Portanto, por que não devem receber o sinal da Aliança de Deus? Por que não devem ser consagrados pelo santo batismo, considerando que já pertencem à Igreja e são propriedade de Deus e da Igreja? Igualmente negamos as demais doutrinas dos anabatistas, que contêm pequenas considerações próprias e contrárias à Palavra de Deus. Em suma: não somos anabatistas e com eles nada temos em comum” (Confissão Helvética – antiga confissão protestante de 1566).
“Por esta razão, cremos que quem deseja entrar na vida eterna deve ser batizado uma [só] vez com o único Batismo, sem repetí-lo jamais, já que tampouco podemos nascer duas vezes. Mas este Batismo é útil não apenas enquanto a água está sobre nós, mas também todo o tempo de nossa vida. Portanto, reprovamos o erro dos anabatistas, que não se conformam com o único batismo que receberam e que, além disso, condenam o batismo das crianças [filhas] de crentes, as quais cremos que se deve batizar e selar com o sinal da Aliança, como as crianças em Israel eram circuncidadas nas mesmas promessas que foram feitas aos nossos filhos. E, certamente, Cristo não derramou menos o seu sangue para lavar as crianças dos fiéis como o fez pelos adultos; [por seu sangue] devem receber o sinal e o sacramento daquilo que Cristo fez por elas, da mesma forma como o Senhor, na Lei, ordenou que participassem do sacramento do padecimento e morte de Cristo pouco depois de terem nascido, sacrificando por elas um cordeiro, o qual era um sinal de Jesus Cristo. Por outro lado, o Batismo significa para nossos filhos o mesmo que a circuncisão significava para o povo judeu, o que fez São Paulo chamar o Batismo de 'a circuncisão de Cristo'” (Confissão Belga de 1619, artigo 34 – a Confissão Reformada dos Países Baixos e de várias igrejas reformadas atuais).
Os anglicanos também rejeitaram o anabatismo:
“Do Batismo – O batismo não é apenas um sinal da profissão e uma nota de distinção pela qual se identificam os cristãos e os não-batizados, mas também é um sinal da regeneração ou renascimento, pelo qual, como por instrumento, os que recebem retamente o batismo são inseridos na Igreja; as promessas da remissão dos pecados e a de nossa adoção como filhos de Deus por meio do Espírito Santo são visivelmente assinaladas e seladas; a fé é confirmada; e a graça, em razão da oração a Deus, é ampliada. O Batismo das crianças, sendo conforme com a instituição de Cristo, deve ser inteiramente conservado na Igreja” (Os 39 Artigos da Religião, capítulo 27 – confissão doutrinária histórica da Igreja Anglicana).
João Calvino, em sua obra “Instituição da Religião Cristã” dedica uma seção para refutar o anabatismo. Pode ser vista aqui .
-----
Notas:
[1] Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/anf01/ix.viii.xxxiv - http://www.newadvent.org/fathers/0134.htm
[2] Extraído da edição preparada pela Conferência do Episcopado Mexicano no ano jubilar de 2000.
[3] QUASTEN, Johannes. “Patrologia I”. p. 189.
[4] “O Batismo: Seleção de Textos Patrísticos”. Tradução e notas de Enrique Contreras, osb. Editorial Pátria Grande, p. 41.
[5] Ibid, p. 43.
[6] QUASTEN, Johannes. “Patrologia I”. p. 189.
[7] “O Batismo: Seleção de Textos Patrísticos”. Tradução e notas de Enrique Contreras, osb. Editorial Pátria Grande, pp. 45 e 47.
[8] V. http://www.ccel.org/print/schaff/anf05/iv.iv.lviii - http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm
[9] Traduzido a partir de http://www.ccel.org/print/schaff/anf05/iv.iv.lviii - http://www.newadvent.org/fathers/050658.htm
[10] “O Batismo segundo os Padres Gregos”. Adaptação pedagógica do Dr. Carlos Etchevarne, Bach. Teol., pp. 14 e 16-17. Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/npnf207/iii.xxiii - http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm
[11] Ibid, pp. 22-23. Texto em inglês em http://www.ccel.org/print/schaff/npnf207/iii.xxiii - http://www.newadvent.org/fathers/310240.htm
[12] Ibid, p. 57.
[13] Ibid, p. 4.
[14] DENZINGER, Enrique. “O Magistério da Igreja: Manual de Símbolos, Definições e Declarações da Igreja em Matéria de Fé e Costumes”. Versão direta dos textos originais por Daniel Ruiz Bueno, Editorial Herder, 1963, p. 39.
[15] “Obras Completas de Santo Agostinho: Tomo XXXV-Escritos Anti-Pelagianos (3º), Réplica a Juliano”. BAC 457, p. 272.
[16] Ibid, p. 276.
[17] Ibid, p. 332.
[18] Para uma história mais detalhada sobre o Movimento Anabatista, consultar: “Manual de História da Igreja”, de Hubert Jedim, Tomo V, Editorial Herder.

  • Fonte: http://www.apologeticacatolica.org; tradução: Carlos Martins Nabeto

  •  http://www.veritatis.com.br/patristica/patrologia/439-o-batismo-de-criancas-nos-padres-da-igreja-e-na-historia

    O Sacramento do Batismo - batismo de criancas...

    O Sacramento do Batismo
    -
    A Igreja, nos primeiros séculos, ministrava numa única celebração, para os adultos e crianças, três sacramentos: Batismo, Crisma e Eucaristia. Para os adultos havia uma preparação de três anos, o catecumenato. Na vigília pascal o catecúmeno recebia os sacramentos.
     Muitos são os documentos e citações que narram o Batismo nos primeiros séculos. Vamos conhecer algumas citações importantes dos Padres da Igreja, que nos esclarecem muitas coisas
    Tertuliano (+ 220) escreveu no século III o Tratado sobre o Batismo, que fornece informações importantes. Ensina que "os catecúmenos deviam invocar Deus com orações fervorosas, com jejuns, genuflexões e vigílias" (c. 20). O ministro, o bispo, na vigília pascal, benzia a água; o catecúmeno renunciava ao demônio; a seguir, o ministro perguntava: "Crês em Deus Pai?". Após a resposta afirmativa do catecúmeno, mergulhava-o na água; interrogava ainda: "Crê em Deus Filho?" e "Crês em Deus Espírito Santo?", seguindo-se a cada resposta um mergulho na água. Depois o neófito era ungido com óleo e recebia a imposição das mãos, pela qual se comunicava o Espírito Santo. 
    S. Hipólito de Roma (+ 235) descreveu sobre o Batismo, com detalhes, em sua Tradição Apostólica:
    "Ouçam os catecúmenos a palavra durante três anos... escolhidos os que receberão o Batismo, sua vida será examinada: se viveram com dignidade enquanto catecúmenos, se honraram as viúvas, se visitaram os enfermos, se só praticaram boas ações... Aproximando-se o dia em que serão batizados, exorcize o bispo cada um... Jejuem na véspera do Sábado os que receberão o Batismo... Ordene-se a todos que rezem e se ajoelhem; impondo-se sobre eles as mãos, exorcizará o bispo todos os espíritos estranhos para que fujam e não tornem jamais; ao terminar o exorcismo, sopre-lhes no rosto. Depois de marcar-lhes com o sinal da cruz a fronte, os ouvidos e as narinas, ele os fará levantar-se... Ao cantar do galo, reze-se primeiro sobre a água, na fonte ou derramando-se do alto... Em caso de necessidade usa-se a água que se encontrar... Os batizados despirão as suas roupas, batizando-se primeiro as crianças. Todos os que puderem falar por si mesmos, falem. Os pais ou alguém da família, falem pelos que não puderem falar por si. Batizem-se os homens e finalmente as mulheres... " (nº 38 a 51).
    Esta longa descrição de como era ministrado o Batismo, e que continua, mostra que este sacramento era ministrado na madrugada do domingo, após um dia inteiro de orações, leituras e jejum; a preparação era longa, com anos de instrução e exorcismos (não de possessos); batizavam crianças que ainda não tinham idade para falar; a unção do óleo após o Batismo equivale ao sacramento da Crisma. 
    S. Justino Mártir, ano 151, I Apologia 61:
    "Os que são batizados por nós são levados para um lugar onde haja água e são regenerados da mesma forma como nós o fomos. É em nome do Pai de todos e Senhor Deus, e de Nosso Senhor Jesus Cristo, e do Espírito Santo que recebem a loção na água. Este rito foi-nos entregue pelos Apóstolos".
    Didaquè - A Doutrina dos Apóstolos (ano 100):
    "Quanto ao batismo, batizai assim: depois de terdes ensinado o que precede, batizai em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, em água corrente; se não existe água corrente, batize-se em outra água. Se não puder ser em água fria, faze em água quente. Se não tens bastante, de uma ou de outra, derrama água três vezes sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Antes do Batismo, jejuem: o que batiza, o que é batizado e outras pessoas"(n.30).
    Aqui se vê claramente que desde o primeiro século a Igreja já ministrava o Batismo por efusão (derramamento de água) e não apenas por imersão (mergulho na água).
    S. Ireneu (140-202):
    "Jesus veio salvar a todos os que através dele nasceram de novo [pelo batismo] de Deus: os recém-nascidos, os meninos, os jovens, os velhos".
    "O batismo nos concede a graça do novo nascimento em Deus Pai por meio do seu Filho no Espírito Santo. Pois os que têm o Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo, isto é, ao Filho; mas o Filho os apresenta ao Pai, e o Pai lhes concede a incorruptibilidade. Portanto, sem o Espírito Santo não é possível ver o Filho de Deus, e, sem o Filho, ninguém pode aproximar-se do Pai, pois o conhecimento do Pai é o Filho, e o conhecimento do Filho de Deus se faz pelo Espírito Santo". (Dem. 7)
    Orígenes - bispo de Alexandria (184-285):
    "A Igreja recebeu dos Apóstolos a Tradição de dar o batismo também aos recém-nascidos". (Ep. Ad. Rom.LV, 5,9)
    S. Cipriano, bispo de Cartago (210-258):
    "Do batismo e da graça não devemos afastar as crianças". (Carta a Fido)
    Aqui podemos ver que a Igreja desde os primórdios batizou os recém-nascidos.
    Santo Hilário (310-367):
    "Tudo o que aconteceu com Cristo dá-nos a conhecer que, depois na imersão na água, o Espírito Santo voa sobre nós do alto do Céu e que, adotados pela Voz do Pai, nos tornamos filhos de Deus". (Mat. 2)
    O Concílio de Cartago (ano 418), que condenou o pelagianismo, rejeitou a posição "daqueles que negam que se devam batizar as crianças recém-nascidas do seio materno". (Cânon 2, DS,223)
    O Concílio de Florença (ano 1442), exigiu que fosse administrado o batismo aos recém-nascidos "o mais depressa que se possa fazer comodamente".  (DS. 1349)
    Por que batizar as crianças?
    A razão teológica pela qual a Igreja batiza crianças é que o Batismo não é como uma matricula em um clube, mas é um renascer para a vida nova de filhos de Deus, que acontece mesmo que a criança não tome conhecimento do fato. Este renascer da criança a faz herdeira de Deus. A partir do Batismo a graça trabalha em seu coração (cf. 1 Jo 3,9), como um princípio sobrenatural. Elas não podem professar a fé, mas são batizadas na fé da Igreja a pedido dos pais.
    Santo Agostinho explicava bem isto:
    "As crianças são apresentadas para receber a graça espiritual, não tanto por aqueles que as levam nos braços (embora, também por eles, se são bons fiéis), mas sobretudo pela sociedade espiritual dos santos e dos fiéis... É a Mãe Igreja toda, que está presente nos seus santos, a agir, pois é ela inteira que os gera a todos e a cada um " (Epist. 98,5).
    Nenhum pai espera o filho chegar à idade adulta para lhe perguntar se ele quer ser educado, ir para a escola, tomar as vacinas, etc. Da mesma forma deve proceder com os valores espirituais. Se amanhã, esta criança vier a rejeitar o seu Batismo, na idade adulta, o mal lhe será menor, da mesma forma que se na idade adulta renegasse os estudos ou as vacinas que os pais lhe propiciaram na infância.
    A Bíblia dá indícios de que a Igreja sempre batizou crianças. Na casa do centurião Cornélio ("com toda a sua casa"; At 10,1s.24.44.47s); a negociante Lídia de Filipos (At 16,14s); o carcereiro de Filipos (16, 31-33), Crispo de Corinto (At 18,8); a família de Estéfanas (1Cor 1, 16).
    Orígenes de Alexandria (? 250) e S. Agostinho (430), atestam que "o costume de batizar crianças é tradição recebida dos Apóstolos".
    Santo Irineu de Lião (?202) considera óbvia a presença de "crianças e pequeninos" entre os batizados (Contra as heresias II 24,4). Um Sínodo da África, sob São Cipriano de Cartago (?258) aprovou que se batizasse crianças "já a partir do segundo ou terceiro dia após o nascimento" (Epist. 64).
    O Concílio regional de Cartago, em 418, afirmou:
    "Também os mais pequeninos que não tenham ainda podido cometer pessoalmente um pecado, são verdadeiramente batizados para a remissão dos pecados, a fim de que, mediante a regeneração, seja purificado aquilo que eles têm de nascença" (Cânon 2, DS,223).
     No Credo do Povo de Deus, o Papa Paulo VI afirmou:
    "O Batismo deve ser ministrado também às criancinhas que não tenham podido ainda tornar-se culpadas de qualquer pecado pessoal, a fim de que elas, tendo nascido privadas da graça sobrenatural, renasçam pela água e pelo Espírito Santo para a vida divina em Cristo Jesus" (nº 18).
    A Bíblia sugere o batismo de todos, o que inclui as crianças
    Atos 2,38-39: "Disse-lhes Pedro: 'Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados. E recebereis o dom do Espírito Santo. A promessa diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos que estão longe - a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar'."
    Atos 16,15: "Depois que foi batizada, ela e a sua casa, rogou-nos dizendo: 'Se haveis julgado que eu seja fiel ao Senhor, entrai em minha casa, e ficai ali'. E nos constrangeu a isso."
    Atos 16,33: "Tomando-os o carcereiro consigo naquela mesma noite, lavou-lhes os vergões; então logo foi batizado, ele e todos os seus."
    Atos 18,8: "Crispo, principal da sinagoga, creu no Senhor, com toda a sua casa; e muitos dos coríntios, ouvindo-o, creram e foram batizados."
    1Coríntios 1,16: "Batizei também a família de Estéfanas; além destes, não sei se batizei algum outro".
    O Batismo é necessário a todos, inclusive às crianças
    João 3,5: "Jesus respondeu: 'Em verdade, em verdade, te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus'."
    Romanos 6,4: "De sorte que fomos sepultados com Ele pelo batismo na morte, para que, como Cristo ressurgiu dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida."
    "Todos pecaram" em razão do pecado de Adão, inclusive as crianças
    Romanos 3,23: "Pois todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus"
    Romanos 5,12.19: "Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Pois como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um, muitos serão feitos justos."
    Salmo 51[52],5: "Certamente em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu a minha mãe."
    A Circuncisão (em geral realizada em crianças, cf. Gênesis 17,12), foi substituída pelo Batismo
    Colossences 2,11-12: "Nele também fostes circuncidados com a circuncisão não feita por mãos no despojar do corpo da carne, a saber, a circuncisão de Cristo, tendo sido sepultados com ele no batismo, nele também ressurgistes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos."
    As crianças podem crer
    Marcos 9,42: "E quem escandalizar a um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse lançado ao mar"
    Lucas 1,41-44: "Ao ouvir Isabel a saudação de Maria, a criancinha saltou no seu ventre, e Isabel foi cheia do Espírito Santo. Exclamou ela em alta voz: 'Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre. De onde me provém que me venha visitar a mãe do meu Senhor? Ao chegar-me aos ouvidos a voz da tua saudação, a criancinha saltou de alegria no meu ventre."
    Salmo 22[23],9-10: "Contudo, tu me tiraste do ventre; tu me preservaste, estando eu ainda aos seios de minha mãe. Sobre ti fui lançado desde a madre; tu és o meu Deus desde o ventre da minha mãe."


    - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
    por
    http://www.cleofas.com.br

    terça-feira, 8 de novembro de 2011

    Você sabe o que são os Sacramentos?

    Você sabe o que são os Sacramentos?

    Jesus Cristo redimiu o mundo com a Sua Morte e Ressurreição, e instituiu a Santa Igreja, Seu Corpo Místico, para levar a salvação por Ele conquistada, a todos os homens de todos os tempos e lugares, até que Ele volte para encerrar a História, na Parusia, e julgar a humanidade. Ele deu a seus Apóstolos, hoje os nossos Bispos, a missão de levar a salvação a toda a humanidade, pela pregação do Evangelho e celebração dos Sacramentos.
    Por isso o Concilio Vaticano II chamou a Igreja de “Sacramento universal da salvação” (LG 4). Ela é o braço estendido do Cristo na História dos homens. Quando a Igreja nos alcança, é Cristo que nos alcança; quando a Igreja nos batiza, é Cristo mesmo que nos batiza; quando a Igreja nos perdoa pela Confissão, é Cristo mesmo que nos perdoa…; isto é, a Igreja é a portadora e administradora da salvação, através dos Sete Sacramentos que ela ministra em nome de Jesus.
    Os Sacramentos são os canais por onde flui a salvação de todos os homens, que Cristo conquistou com a Sua Morte e Ressurreição. Eles se relacionam intimamente com Cristo, com a Igreja e com toda a Liturgia. Há em todos eles um denominador comum, que é o conceito de sinal (seméion, em grego) eficiente ou sinal que realiza o que ele assinala. A santíssima humanidade de Cristo é o grande sinal eficiente, transmissor da graça; também a Igreja, como Corpo de Cristo prolongado na história dos homens (cf. Cl 1, 24) e a Liturgia, com seus ritos sagrados, continuam essa função. Cristo toca o cristão pelos Sacramentos não apenas de maneira psicológica ou afetiva, mas de uma forma concreta.
    Os Sacramentos são esses sinais comunicadores da graça divina.Por isso o cristão não pode ficar sem os Sacramentos. O Cristianismo não é apenas uma filosofia religiosa, mas é uma comunhão de vida com o próprio Deus da maneira que Ele estabeleceu, especialmente pelos Sacramentos.Todo Sacramento é um sinal, que não apenas assinala, mas que realiza o que assinala; assim, a água do Batismo indica a purificação da criança e a realiza. Os Sacramentos dão continuidade à santíssima humanidade de Cristo, que assinalava e realizava a salvação dos homens. Por isso a Igreja (Corpo de Cristo prolongado) com os sete Sacramentos formam como que “o Grande Sacramento – a ordem sacramental através do qual a vida eterna do Pai flui até cada indivíduo em particular” (E. Bettencourt).
    Cada Sacramento consta de matéria (água, pão, vinho, gestos…) e forma, que são as palavras proferidas sobre a matéria, declarando o sentido da mesma: “Eu te batizo…; Isto é o meu Corpo…” Os Sacramentos são sinais visíveis porque o ser humano é formado de corpo e alma; ele passa do visível ao invisível. Aristóteles († 322 a.C.) dizia que: “Nada há no intelecto que não tenha passado pelos sentidos”. É pelos sentidos que ele aprende.Tertuliano († 220 ) dizia que: “A carne (o corpo) é o eixo da salvação. Lava-se o corpo a fim de que a alma seja purificada; unge-se o corpo a fim de que a alma seja consagrada… O corpo é nutrido pelo Corpo e Sangue de Cristo, a fim de que a alma se alimente de Deus… Não podem, pois, ser separados na recompensa, já que estão unidos nas obras da salvação” (Sobre a Ressurreição da Carne 8 PL 2, 852).
    Os Sacramentos agem “ex opere operato”, quer dizer, pela força do próprio rito, independente da santidade do ministro; em outras palavras, é Cristo quem ministra todo e qualquer Sacramento, pois Ele é o único sacerdote do Novo Testamento; os demais ordenados são seus ministros, como disse S. Tomás de Aquino. Se tiverem sido validamente ordenados pela Igreja e ministrarem os sacramentos com a mesma intenção que Cristo fez, então, participam do único Sacerdócio de Cristo e sua ação é eficaz.
    Todo sacramento produz dois efeitos: o caráter e a graça santificante. O caráter é uma marca, um selo espiritual que é impresso na alma do cristão pelos três Sacramentos que não podem ser repetidos: Batismo, Crisma e Ordem. Os demais sacramentos imprimem um “quase-caráter”; por exemplo, o vínculo conjugal para os validamente casados.
    Esta marca significa uma pertença a Cristo, e não depende das disposições morais da pessoa que recebe o sacramento. Santo Agostinho comparava esta marca com aquela que era impressa nas ovelhas, no gado, e até nos escravos pelos seus donos. Mesmo desertado o escravo continuava com a marca para sempre. A graça santificante comunicada pelo Sacramento é a “participação na vida divina” de que falou S. Pedro (1Pe 1, 4), que a pessoa pode não receber se põe obstáculo a ela. Por exemplo, se alguém comunga em pecado grave, ou se não crê na Eucaristia, mesmo assim recebe o verdadeiro Corpo de Cristo, mas não recebe a graça. Por isso os frutos dos Sacramentos dependem do esforço de conversão da pessoa; das suas disposições interiores.
    “Toda a vida litúrgica da Igreja gravita em torno do sacrifício eucarístico e dos sacramentos” (SC,6), disse o último Concílio. Há na Igreja sete sacramentos: o Batismo, a Confirmação ou Crisma, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos, a Ordem, o Matrimônio (cf. DS 860;1310;1601).” (Cat. §1113)
    Os Sacramentos encerram em si todas as graças que precisamos durante a vida para que a imagem de Cristo seja formado
    em nós. Nascemos de nossos pais para uma vida de sofrimentos herdada de Adão; o Batismo (CCC 1213-1284) nos faz renascer, dando-nos uma vida nova, de filhos de Deus, herdeiros do Céu, passando pela morte e ressurreição de Cristo (Rm 6, 1-11).
    Aos poucos a criança atinge a adolescência e se robustece; na vida espiritual recebe o Sacramento da Crisma (CCC 1285-1321) que lhe dá pelo dom do Espírito Santo, a maturidade espiritual e a força para viver e testemunhar a fé. A cada dia a vida precisa ser alimentada com o pão, mas ele não impede que a morte aconteça; então, Cristo nos dá, pela Igreja, o Pão do Céu, a Eucaristia (CCC 1322-1419), que é remédio e sustento para a caminhada, e que nos garante a vida eterna.
    As doenças ameaçam o nosso corpo e a nossa vida terrena, também os pecados ameaçam nossa vida espiritual. Temos os remédios para a vida do corpo e Cristo nos dá, pelo Sacramento da Penitência (CCC 1422-1498), o remédio que cura a alma. Quando chegamos à vida adulta escolhemos a profissão e o trabalho, e nos preparamos para ele; na vida espiritual seguimos a nossa vocação, para o casamento ou para a vida religiosa. Para realizar bem esta missão Deus nos dá o Sacramento do Matrimônio (CCC 1601-1666) e da Ordem (CCC 1536-1600).
    No final da vida, ou na doença grave, quando o sofrimento e até a morte se aproxima, novamente Cristo nos acolhe e prepara para nos curar ou para nos preparar para o desenlace final, acompanhando-nos pelo Sacramento da Unção dos Enfermos (CCC 1499-1532).
    Assim, os Sacramentos nos acompanham em toda a vida, a fim de que a vida espiritual não pereça, e sejamos felizes sempre na companhia de Cristo, para que possamos chegar “ao estado de homem perfeito, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (cf. Ef 4, 13; 1Cor 2,6).
    Do Livro: OS SETE SACRAMENTOS
    Prof. Felipe Aquino – www.cleofas.com.br

    segunda-feira, 7 de novembro de 2011

    Indulgências - A Igreja Católica vendia lugares no Céu?!

    Indulgências - A Igreja Católica vendia lugares no Céu?!

    É claro que não!

    Para que possamos compreender como responder a esta absurda acusação, é necessário que compreendamos a doutrina das Indulgência.

    “O pecado tem uma dupla conseqüência. O pecado grave [chamado pecado mortal (1Jo 5,16); é aquele que é cometido deliberadamente e conscientemente em matéria grave] priva-nos da comunhão com Deus e, consequentemente, nos torna incapazes da vida eterna; esta privação se chama ‘pena eterna’ do pecado. Por outro lado, todo pecado, mesmo o venial, acarreta um apego prejudicial às criaturas que exige purificação, quer aqui na terra, quer depois da morte, no estado chamado purgatório. Esta purificação liberta da chamada ‘’pena temporal’ do pecado. Estas duas penas não devem ser concebidas como uma espécie de vingança infligida por Deus do exterior, mas antes como uma conseqüência da própria natureza do pecado. Uma conversão que procede de uma ardente caridade pode chegar à total purificação do pecador, não subsistindo mais nenhuma pena.
    O perdão do pecado e a restauração da comunhão com Deus implicam a remissão das penas eternas do pecado. O cristão deve esforçar-se, suportando pacientemente os sofrimentos e as provas de todo tipo e, chegada a hora de enfrentar serenamente a morte, aceitar como uma graça essas penas temporais do pecado; deve aplicar-se, através de obras de misericórdia e caridade, como também pela oração e diversas práticas de penitência, a despojar-se completamente do ‘velho homem’ para revestir-se do ‘homem novo”. (Novo Catecismo da Igreja Católica, parágrafos 1472 e 1473)
    A pena eterna do pecado nos é perdoada pelo Sacramento da Reconciliação (Confissão - Cf. Jo 20,23). Quando recebemos a absolvição sacerdotal, temos perdoada a pena eterna, mas não a temporal.

    Afinal, Jesus disse que devemos “pagar até o último centavo” (Mt 5,26).

    O que significa isso? Isto significa que quando pecamos deliberadamente (ou seja, não é um acidente- como derrubar sem querer algo pela janela e alguém ser atingido pelo objeto que cai, morrendo em conseqüência do impacto) e conscientemente (ou seja, quando sabemos que tal coisa é errada e mesmo assim a fazemos) em matéria grave (ou seja, em algo importante), estamos escolhendo dizer “não” a Deus e “sim” àquilo que escolhemos fazer: “sim” ao prazer proibido, “sim” ao fruto do roubo - logo ao ato de roubar, “sim”, em suma, àquilo que colocamos naquele instante como valendo mais do que Deus, mais do que a Salvação. Esta escolha é aceita por Deus. Passamos a não mais ter a Sua graça, que trocamos pelo pecado. Este efeito (a perda da graça de Deus) é eterno; apenas pela absolvição sacramental (pelo Sacramento da confissão) podemos recuperar a Graça. Há também um outro efeito: ao fazer isso, nós de uma certa forma nos acostumamos a dizer “não” a Deus. É por isso que é mais fácil pecar pela centésima que pela primeira vez.

    Abismo atrai abismo, diz o ditado.
    Esta conseqüência é chamada “pena temporal do pecado”. Ela não ocorre apenas quando pecamos mortalmente; quando cometemos um pecado venial (ou seja, um pecado que não é mortal, que não se inclui nas condições acima), também passamos a ter “um apego prejudicial às criaturas”, também passamos a achar mais fácil dizer “não” a Deus.
    Como podemos nos livrar desta pena temporal? A pena eterna, já o vimos, é perdoada pelo Sacramento da Confissão. E a temporal?

    A remissão da pena temporal pode ser feita pela caridade, oração e penitência.
    Um costume muito antigo na Igreja é o das penitências públicas; o penitente, desejoso de pagar a pena temporal de seu pecado, após a absolvição sacerdotal ia para a rua para publicamente pagar por seu pecado.
    Esta forma pública e pesada de penitência, entretanto, muitas vezes era impossível de cumprir para muitos, por razões de idade ou saúde.

    A Igreja então, por misericórdia, apelou para o seu Tesouro de Méritos (as orações e obras de todos seus membros, vivos e mortos), e passou a indulgenciar alguns atos já por si meritórios.

    O que é o tesouro de Méritos? Imaginemos por exemplo Madre Teresa de Calcutá: sua santidade era assombrosa. Mesmo assim, ou talvez até por causa disso, ela fazia penitências constantemente. Não tratava de seus dentes, para poder usar a dor de suas cáries como penitência. Fazia também caridade como poucos fizeram; sua história é conhecida. Orava também ao menos quatro horas por dia. Será que ela teria tantos pecados assim, que fosse necessário orar tanto, fazer tanta penitência, tanta caridade, para que pudesse livrar-se das conseqüências temporais do pecado? Claro que não. Ela o fazia porque sabia que aquilo que não lhe servisse, aquilo que fosse “excessivo” seria adicionado ao tesouro de Méritos da Igreja. Suas orações, sua caridade e suas penitências foram colocadas à disposição da Igreja, para que a Igreja pudesse dispor delas em favor de pessoas que precisassem.
    É através das indulgências que a Igreja distribui estes méritos, que a Igreja faz com que outras pessoas possam ser beneficiadas pelas orações, caridade e penitências “excessivas” de seus membros. Dentre os atos indulgenciados pela Igreja podemos contar, por exemplo, a oração feita em um cemitério no dia de  Finados, a participação na construção de uma catedral, e muitos outros.

    Pela instituição das indulgências, a Igreja proporciona a seus membros uma participação neste Tesouro de Méritos; como se um alimento que já é nutritivo (uma boa ação) fosse “vitaminado”, passando a ter um efeito mais salutar que quando não “vitaminado” (ou seja, passando a ter uma ação maior na remissão da pena temporal do pecado que quando não é indulgenciado). A Igreja como que distribui entre seus fiéis, através das indulgências, os “centavos” que devemos pagar até o fim (nas palavras do Senhor em Mt 5,26), ajudando-os assim a chegar à perfeição.

    A Indulgência corresponde a um período de penitência pública. Uma indulgência de cem dias, por exemplo, referir-se-ia a cem dias de penitência pública. Hoje em dia, por não haver mais penitências públicas (a não ser em alguns lugares, como as Filipinas), as pessoas perderam de vista o referencial que era então usado, e a Igreja passou a classificar as indulgências apenas como plenárias (remissão total da pena temporal) ou parciais.

    Para que uma indulgência possa ser recebida, porém, é necessário que sejam cumpridas algumas condições:
    1 - Deve ter sido feito um exame de consciência rigoroso e minucioso, seguido de Confissão e subseqüente absolvição sacerdotal, além de assistir a Missa completa e comungar.
    2 - A pessoa que faz o ato indulgenciado deve ter absoluto horror aos pecados que cometeu e a firme intenção de não mais cometê-los.
    3 - Ela deve ter em mente seu desejo de lucrar a indulgência associada ao ato enquanto o executa.

    Dentre as ações indulgenciadas, havia algumas que podiam ser feitas de maneira indireta (o que foi proibido no século XVI, por haver uma compreensão errônea da doutrina por muitos). Um exemplo disso seria a participação financeira na construção de uma catedral.

    Ora, para que alguém lucre uma indulgência, é necessário que antes tenha se confessado (afinal, São João escreveu que não adianta orar pelo irmão que cometeu um pecado que é de morte - 1Jo 5,16 É preciso que ele antes obtenha o perdão deste pecado - Cf. Jo 20,23. Para lucrar uma indulgência, portanto, a pessoa já deve ter sido absolvida da pena eterna de seu pecado, que a levaria ao Inferno.

    Indulgências, portanto, nunca poderiam levar para o Céu alguém que por seus atos escolheu o Inferno.
    Além disso, há a necessidade de que a pessoa tenha horror ao pecado cometido e firme intenção de não mais pecar. As indulgências não podem ser aplicadas aos pecados ainda a cometer, apenas aos já cometidos, e mesmo assim apenas nas condições expostas acima.

    A indulgência é na verdade muito menos “indulgente” que a doutrina humana da garantia de salvação dos crentes independentemente dos pecados posteriores à sua conversão, pregada por muitos protestantes.
    Dificilmente isso poderia ser considerado venda de lugares no Céu!...

    Carlos Ramelhete

    http://www.pr.gonet.biz/kb_frame.php?topic=Diversos&subtopic=Apologética